amores expresos, blog DO CUENCA

Monday, April 30, 2007

Comemoração

30.04.2007

Ontem foi a primeira noite em que dormi e acordei no horário. Só depois de dez dias, pela primeira vez posso dizer que me sinto bem disposto como um sujeito normal (ou quase).

Yakitori

29.04.2007

Saí para almoçar em Shinjuku às seis da tarde com nenhuma idéia de onde comer. Caminhei sem muito destino e fui parar num conjunto de ruelas muito apertadas sob a linha do trem. Fios desencapados, chão de pedra, lanternas vermelhas, escadas e becos escuros. Ali, a maioria dos botecos populares vende Yakitori em balcões, espetinhos com pedaços de frango e carne, e também com shiitake, pimentão e um tipo de bolo de grãos. Lugar bastante típico e meio inacessível para gringos: os cardápios são todos em japonês (sem figurinhas, diga-se) e o clima é meio intimidador.

(Algo como um japonês que não fala nada de português querer almoçar num PF de quatro reais num boteco ao lado da Central do Brasil.)

Parei na frente de um dos lugares olhando os espetinhos (naquela altura, já salivando de fome) e um sujeito mudou de cadeira no balcão, liberando a da ponta como que dizendo “pode sentar”. Agradeci e pedi uma cerveja à garçonete chinesa – e esse foi todo o meu japonês falado até agora. O sujeito perguntou se eu era um “tlaveler” e começamos a conversar em inglês. Masami Kawai é um jovem salary-man, formado em engenharia mecânica. Mora a meia-hora de trem daqui e diz que não pretende jamais morar na cidade, muito caótica e doente, expressão que ele iria usar muitas vezes. “Sick!”

“Doente porque as pessoas não têm tempo para viver as próprias vidas e porque é muito estressante andar aqui. Não dá nem pra pensar direito.”

“Too much competition!”

Depois que terminamos de comer e beber, confessei que estava meio perdido, e Masami gentilmente fez questão de mudar seu caminho e me levar até onde eu pudesse me encontrar. Não sem antes, claro, me oferecer seu cartão com as duas mãos e com a cerimônia necessária. Aliás, já é a quinta vez que me oferecem cartões e eu não tenho o meu a retribuir. Penso em mandar fazer um.

Festa e Ritchie Hawtin

28.04.2007

Conheci uma japonesa chamada Keiko através de amigos no Brasil. Keiko é muito legal, fala inglês e se colocou à disposição de me ajudar a conhecer a cidade. Ontem fomos com um amigo dela para uma festa de aniversário em Shibuya, numa pequena loja de discos de vinil. A aniversariante era uma fotógrafa e nas paredes estavam expostas suas fotos, muito boas, por sinal. Em certo momento, ela pegou minha câmera e tirou essas fotos:









(Depois vou pegar o nome para dar o crédito)

Era uma festa de jovens descolados, dj’s, artistas plásticos. Mas sempre quando alguém chegava, os cumprimentos eram sempre cheios de cerimônia. A descontração social tem lá suas amarras no Japão. Outro dia vi, no metrô, um grupo de punks de moicano se despedindo daquele jeito tradicional, inclinando o tronco várias vezes, acenando repetidas vezes numa espécie de gagueira gestual tão comum por aqui.

Depois da festa, fomos para uma rave onde iria tocar conceituadíssimo dj de tecno minimal, Ritchie Hawtin. O lugar era uma espécie de centro de convenções chamado Laforet Museum, em Roppongi. Como tudo, aparentemente morto e vazio. Depois de descer uma escada rolante e virar à direita, deu pra sentir o drama: lugar lotadíssimo. Se na rua estava um frio de dez graus, ali devia estar fazendo trinta. A fila do cloakroom era gigantesca e parecia parada por falta de espaço. Deixei meu blazer e cachecol em cima de um armário qualquer, confiando na honestidade nipônica, e fui para a pista principal. Yasuke, nosso amigo, disse: “pode confiar e deixar aí mesmo, é como em qualquer lugar do mundo! Seguro!”

Um galpão enorme com o melhor sistema de som que já ouvi em lugares do gênero. Colunas de caixas jbl em todos os lados, graves de estremecer o peito. Por trás do dj, uma tela de cinema com projeções em alta definição. Ao meu redor, os japoneses eufóricos, muita gente chapada de bala (ou pó, que parece ser popular aqui), e lotação equivalente à Yamanote Line na hora do Rush. Ou seja: sardinhas clubbers sob raios lasers e muita fumaça.

Video que fiz por lá. É meio escuro, mas quando rola a luz estroboscópica dá pra ter a noção do drama:



Insanidade total.

Quando amanheceu, voltei no primeiro metrô, junto com adolescentes bêbadas de micro-saia e um sujeito que estava escrevendo no celular, adormeceu e deixou o aparelho cair no chão. Ninguém pegou o celular do cara até a minha saída do vagão.

E, claro, meu blazer estava lá quando fui embora: “seguro!”

Shinjuku e Kabukicho

28.04.2007

Nos últimos dias, por motivos diversos, tive especial dificuldade em registrar minhas andanças pela cidade.

Agora estou num bairro diferente, Shinjuku. Tenho a impressão que é a gigantesca downtown de Tóquio. Com duas partes bem diferentes, no entanto.

A oeste, estão os prédios da prefeitura, arranha-céus de conglomerados japoneses com nomes como Mitsui, Mitsubaro ou Mitsubishi, e hotéis como o Park Hyatt e suas três pirâmides iluminadas. Os prédios se debruçam sobre um parque onde moleques andam de skate e monges são monges dentro de um templo xintoísta.



Nessa parte, as calçadas são muito largas e as construções guardam uma saudável distância umas das outras. Se já é surreal pela arquitetura (a prefeitura parece uma catedral cubista de trezentos metros de altura), o lugar ainda vive vazio e parece morto, inclusive durante a semana. Até você descobrir que por baixo de todo o mármore e granito existem enormes passarelas subterrâneas com esteiras automáticas, shopping-centers e tudo o mais. E a maioria das pessoas prefere andar por baixo da terra.

Aqui você pode andar horas sem ver a luz do dia. A cidade está cheia desses espaços de convivência que unem os subsolos dos prédios a galerias comerciais, estações de trem e metrô, praças de alimentação etc. De onde estou, ando por esse subterrâneo em esteiras rolantes por um quilômetro ou dois até a monstruosa estação de Shinjuku que, com mais de duzentas saídas, mastiga e regurgita diariamente mais de três milhões de seres humanos. É a maior do Japão.

Pegar a saída errada normalmente significa estar (bastante) perdido. Caminhar ali dentro é um teste para os sentidos. De orientação e defesa, porque além de se localizar, você precisa desviar o seu corpo dos outros.

Do outro lado da estação, ao leste, fica a parte mais convencional do bairro – é estranho usar essa palavra para definir qualquer coisa aqui.

Avenidas com toneladas de anúncios em néon, becos estreitos com antigos botecos vendendo Yakitori (espetinho japonês), shoppings de eletrônicos, casinos de patchinko, prédios da Sega, Taito, karaokê e tudo o mais. E milhões de “salary-men” e “office-ladys” ocupando as calçadas ferozmente.

Não há nada remotamente parecido à luz da noite num lugar desses porque nunca fica realmente noite. O néon em movimento ilumina tudo e o rosto das pessoas é iluminado como que por fogos de artifício.

Se você pegar uma quebrada à esquerda, notará uma diferença nada sutil na paisagem: Kabukicho.

Kabukicho é para o sexo o que Akihabara é para eletrônicos: o centro do comércio. Controlado pela Yakusa e tido pelos japoneses como o lugar mais perigoso do Japão, o bairro oferece todo o tipo de opção: casas de banho, striptease, peep shows, clubes de encontro, hostess bars, teatros eróticos, casas de chá onde moças servem seus clientes sem calcinha (e com espelhos no chão) e por aí vai. Há desde lugares sofisticadíssimos em prédios imponentes, cuja entrada pode custar 200 dólares, até uns buracos com portinhas estreitas de paredes descascadas do tipo “pague para entrar e reze para sair”.

Há também uma profusão de motéis em ruas estreitas, onde casais embriagados entram e saem a pé a qualquer hora da noite ou do dia. Numa dessas ruas, ao lado de motéis com formato de castelo da disney e com cascata na porta, há um campo para a prática de beisebol, onde salary-men bêbados encaram máquinas que arremessam bolas em alta velocidade.

Comparado com qualquer lugar do gênero fora do Japão, Kabukicho é extremamente limpo. E seguro. A presença da Yakusa se nota pelos mercedes-benz pretos e, às vezes, por um senhor seguido por vários seguranças carecas entrando e saindo de algumas das casas. Todos vestindo ternos de três mil dólares e sapatos italianos. Bastante diferentes dos bicheiros e/ou traficantes com quem esbarro nas ruas do Rio.

De qualquer forma, o gaijin está fora de todo o comercio sexual. Com raras exceções – normalmente africanos convidando os turistas de além mar em inglês para arapucas três andares abaixo da calçada – os anúncios e convites feitos pelas ruas excluem o turista ocidental. Por dois motivos: incapacidade de se fazer entender e entender inglês, e medo que os estrangeiros contaminem as moças locais. Ao contrário de lugares como Copacabana, aqui o turista não é rei – muito pelo contrário. O mercado de sexo funciona com independência, alimentado pelo consumidor local.

***

Até agora, eu filmei mais do que fotografei a cidade. Mas a partir dessa semana, espero tirar mais fotos para colocá-las nesse espaço.

Omotesando

22.04.2007

Subo a rua principal de Omotesando. Há um clima de Boulevard Saint Germain, só que mais limpo e com lojas muito mais luxuosas e imponentes. Em Paris, a Dior ou a Ralph Lauren não tem prédios tão espetaculares como esses. Fica a impressão de que os japoneses botaram a Europa no bolso e deixaram o troco na mesa. Pelas calçadas largas, muita gente flanando, clima de desfile de modas. Como tanta gente pode trabalhar, estudar e fazer nada ao mesmo tempo e com tanta eficiência?

Sigo com a primeira impressão: os turistas parecem mendigos. Quando cruzo com outro ocidental, fico sinceramente constrangido. Em cinco dias, ganho a certeza de que somos inferiores sem que nenhum japonês tenha precisado me dizer isso.

Numa esquina, uma equipe de TV me pára. A NHK quer me entrevistar sobre... Tomates. Perguntam num inglês infantil sobre como eu gosto de tomates, qual o gosto de tomate, com que eu gosto de comer tomate etc. Respondo tudo com cara de idiota, ao que eles vão dizendo “vely gud!” Pergunto para que programa é, o assistente me diz que é um programa sobre “ciências”.

Saio com a certeza que estavam me sacanenando e que “to-ma-to” deve ser algo como merda ou caralho em japonês. (Depois me disseram que tomato é tomato mesmo, o que faz tudo ser mais esquisito).

Subindo a avenida até o final, há uma espécie de Soho que vira Candem Town: Harajuku. Confluências de pequenas ruas de casas baixas onde funcionam lojas e mais lojas de roupa, de todos os tipos. Preços variam das centenas de dólares até algumas pechinchas – para o padrão deles. Meninas vestidas de boneca, góticos, punks etc. O adolescente médio usa blazer e sapatos pontudos. Entro numa galeria de arte feita numa casa meio abandonada. Num pequeno jardim, estudantes acampam.

Atrás da estação de Harajuku, fica o imponente Templo Meiji, dentro de um bosque enorme. Sento por ali e fico olhando senhoras de quimono fazendo arranjos com flores (Ikebana) num canto do pátio geométrico. Corvos grasnam e hordas de meninas com roupa de colegial aterrissam no templo. Senhores tocam o sino, amarram seus desejos em árvores centenárias. A luz do sol nos ilumina filtrada pelo verde dos galhos.

Saturday, April 28, 2007

Tudo é improvável, Über-Clichê, Roppongi Hills, Akihabara

21.04.2007

Nesse momento, tenho muita dificuldade em identificar o que fiz ontem ou hoje, se já é hoje ou amanhã. Quando no Brasil ainda é sexta à noite, aqui já estou de ressaca no sábado de manhã.

Ontem acordei às onze da noite e resolvi conhecer Shibuya. O caos começa na estação, com umas cinqüenta saídas diferentes e quilômetros de galerias embaixo da terra. Escolho uma ao acaso e saio no cruzamento dito como o mais movimentado do mundo. Andar por ali é como uma viagem instantânea de ácido. Megatelões instalados em prédios, vozes suaves e hipnóticas difusas por auto-falantes ocultos, um caleidoscópio de letreiros iluminados e gente de todo o tipo, para onde que você olhe. É mais informação visual do que sou capaz de lidar.

Percebo isso em todos os lugares: a quantidade de imagens e sons que um japonês médio processa por dia é avassaladora. Em toda a parte há um anúncio, uma voz, uma figura, um mangá, um logotipo, um ideograma, um joguinho. Cada lojinha na calçada cospe sua própria música. As escadas rolantes falam, os elevadores falam, os vagões de metrô falam, as vitrines falam - mas as pessoas não parecem falar ente si. Ando por aqui me sentindo como uma criança ninada pelas canções entoadas por um monstro de concreto e metal.

Caminho Shibuya de cima a baixo, entro em flipperamas, livrarias enormes, casas de pachinko, pornografia e mangá. Um flipperama ordinário aqui é um prédio de oito andares, e em cada andar há centenas de máquinas. Não sou capaz de começar a jogar oitenta por cento delas simplesmente por não saber do que se tratam. Caça-níqueis, jogos de estratégia, simuladores de vôo e até um complexo simulador de corrida de cavalo, com direito a miniaturas reais correndo sobre um tapete verde. Os telões são enormes e cada máquina faz um barulho infernal.

Há uma seção de jogos para meninas, ou pelo menos é o que parece, e japonesas calçando botas pontudas ficam brincando por trás de cortinas rosas ilustradas por desenhos histéricos.

É madrugada e resolvo jogar um simulador louco de Transformer, mas descubro que tenho que me cadastrar e ter um cartão, que carregará meus dados. Faço isso com a ajuda de um atendente especialista em mímica e jogo. Sento dentro de uma redoma, onde a imagem do jogo é projetada em quase 360 graus. Depois de três minutos, meu estômago não agüenta. Tento fazer com que o meu robô cometa harakiri.

Acabo comendo num sushi-bar bastante sujo, daqueles com esteira móvel e torneira na bancada para se servir de chá. Todos só falam japonês, e eu saco do bolso minhas frases decoradas. Sou tratado com a condescendência que se tem por crianças ou cachorros perdidos.

Como sempre estou meio sonado e com fome, porque não sei mais o horário de dormir ou comer, tudo fica mais surreal e desorientador. Quando falo em desorientação, digo que fico fisicamente tonto. Nunca imaginei que o jet leg de uma viagem dessas fosse tão selvagem e demorasse tantos dias.

Não é fácil descobrir o que fazer. Tudo fica escondido dentro de milhares de prédios, cada um deles com aglomerados de boates, casas de chá, cafés egípcios, karaokês, centros de massagem, clubes de Para-Para e o que mais existir sobre esse planeta. Você pega um elevador numa portaria vazia e ganha sete andares. No hall silencioso como o de um hospital, um sujeito com cara de lutador de sumô vai acenar com um chapéu cuco e abrir uma porta de metal. Dentro do andar aberto, a multidão dança iluminada por candelabros de néon. E você sabe que o mesmo acontece andares abaixo ou acima. Mas tudo é escondido.

Escondido e empilhado. Aqui em Tóquio sempre se está pisando sobre a cabeça de alguém.

Na época do filme da Sofia Coppola, alguns disseram que “Lost in Translation” transmitia uma imagem estereotipada de Tóquio e dos japoneses. Mas a verdade é que, se formos pensar nas primeiras impressões de qualquer viajante, o filme pega bastante leve.

O que percebo aqui é uma espécie de Über-Clichê.

As imagens óbvias que temos quando pensamos em Tóquio não apenas são confirmadas, mas elevadas à enésima potência e banhadas em ácido: Lolitas vestidas de colegial, meninas de Harajuku e seus sapatinhos de Dorothy, engravatados vestindo máscaras hospitalares (depois, descobri que é por alergia à pólen), gente andando fantasiada pela rua, cyber punks, velhos muito velhos, nerds fissurados de olhos pregados no vídeo game portátil, senhoras de quimono, trabalhadores lendo revista pornô no metrô, tudo isso passou na frente dos meus olhos em não mais do que dois dias.

Como disse antes, é como se estivesse sob o efeito de uma droga muito forte. Ando com as mandíbulas trincadas, como se tivesse me entupido de anfetamina.

Consulto um mapa às duas da manhã e resolvo que tentarei voltar andando de Shibuya até o hotel, que fica pra lá de Ginza, mas só consigo ir até Roppongi, numa caminhada impressionante sob interseções de viadutos gigantescos, uns sobre os outros. São três da manhã e ando sob pontes e túneis. Num pontilhão sobre um viaduto, de onde tenho vista panorâmica de um engarrafamento, sento no chão e escrevo algo que não entrará neste diário.

Não há perigo de violência alguma aqui, e é bastante improvável que eu seja assaltado, mesmo que ande em lugares bastante sinistros de madrugada.

Apesar disso, nunca tive tanto medo na minha vida.

Chego à Roppongi Hills, um bairro novo que parece um shoping center. Mesmo de madrugada, você não está sozinho: a escada rolante fala com você, os elevadores falam, as vitrines falam. Sempre naquele tom monocórdio. Entro no hall de um cinema, mas os filmes que estão passando no meio da madruga são Rocky (vi no avião) e o novo do Hannibal Lecter. Desisto, ando mais um pouco pelas ruas de mármore sob o olhar de câmeras de vídeos e policiais solitários. Penso em tomar um drink na cobertura de um hotel, mas desisto por exaustão e pego um táxi.

Mostro o cartão do hotel que tem um mapa ao taxista. Com um controle remoto, ele insere o endereço num sistema de GPS. O mapa animado nos guia por avenidas largas e desertas até o hotel.

Chego às cinco da manhã e tento dormir. Tenho um pesadelo (um japones entrando no minúsculo quarto) e acordo berrando meia-hora depois de cochilar. Agora estou morrendo de fome (para o meu corpo está na hora da janta, mas aqui são seis e meia da manhã) e não consigo dormir. Desisto e resolvo esperar dar sete da manhã pra tomar o café da manhã (que, para o meu corpo, será meu jantar). O café da manhã japonês tem omelete, macarrão, arroz e uma série de vegetais e substancias pegajosas que não saberia identificar. Encaro tudo, menos o ovo cru sobre o arroz. Depois tomo um café “ocidental”, que no hotel consiste em pão, manteiga e, claro, café aguado. Sou o único gaijin no restaurante.

Tento dormir depois de comer, mas não prego o olho. Não durmo desde ontem às sete da noite.

Saio e resolvo encarar o dia. Meus olhos ardem. Estou cansado, mas não tenho sono. Longa caminhada até a Tokyo Station e o impressionante Jardim Imperial. Ao lado do prédio da Dieta Nacional (a assembléia legislativa do Japão) há um jardim, onde sento numa escada e fico olhando o vôo das flores de cerejeira, que abandonam suas árvores com o vento. Abaixo há uma avenida movimentada, mas não ouço nenhum barulho que não seja o dos pássaros e das folhas.

Pego um metrô para Akihabara, meca dos eletrônicos e do anime, onde me perco feio. Depois de achar o cruzamento central, me perco novamente, mas dentro das lojas lotadas. Um andar só de câmeras fotográficas, outro de vídeo-games, outro de computadores etc. Um pouco para dentro, há uma espécie de mercadão de sucata eletrônica. Laptops e Powermacs sendo vendidos na calçada por ninharias. Pego um beco que me lembra muito o mercado do Saara, no agora distante Rio de Janeiro, e vou parar nos fundos de uma loja onde adolescentes japoneses manuseiam livros e dvd’s de hentai – sexo com bonequinhos de desenho animado. As capas são inacreditáveis, a destacar a fantasia deles sobre moças sendo penetradas por polvos.

Estou há cerca de vinte e quatro horas acordado e com as pernas bambas. Volto para o cubículo. Demoro um pouco para dormir. Fecho os olhos e ouço vozes e música alta. Sonharei sonhos incompreensíveis com japoneses falando japonês.

Dizem que Tóquio é uma cidade turística. Imagino que sejam turistas japoneses: praticamente não vejo ocidentais. No meu hotel não vi nenhum hospede ocidental. Nos pontos turísticos, como o Jardim Imperial, pouquíssimos.

Tudo aqui é improvável. Eu, inclusive.

Friday, April 27, 2007

Primeiras impressões

20.04.2007

A primeira coisa que vi do Japão foi o seu litoral, castigado naquela manhã por furiosas ondas do pacífico, em praias largas de areia escura. A ilha é pequena e o avião já desce há algum tempo quando vemos o solo. Depois, a chegada é rápida.

Um homem de máscara e luvas brancas revista minhas malas e me mostra um caderno ilustrado com fotos de cocaína, maconha, remédios com tarja preta e revistas de mulher pelada, perguntando se tenho alguma daquelas coisas. Como não tenho, sigo para o hall silencioso do aeroporto, onde troco dinheiro e compro a passagem do ônibus que me levará até a cidade. A estrada até certo ponto parece com todos os acessos de aeroporto do mundo. Mas, em meia-hora, entre cadeias de viadutos sinuosos a cidade mostra seus arranha-céus e você se dá conta que está entrando em outro planeta.

Pego um táxi, cuja porta abre-se automaticamente, entro e mostro um mapa. O homem fala em japonês como se eu pudesse entendê-lo. Meio contrariado, me deixa na porta do hotel: a corrida não deu nem cinco minutos. Há trinta e seis horas acordado, vinte e quatro delas dentro de aviões (onde não prego o olho), tudo o que quero é deitar na cama, mas o constrangido concierge me diz num inglês curto que só vou poder fazer isso em algumas horas. Saio tonto e desorientado pelas ruas vazias com a sensação de que estou andando de cabeça para baixo.

A uma quadra do hotel existe uma estação gigantesca de trem, uma baleia de concreto encalhada entre os prédios. Acho que não estou pronto para ela. Na verdade, tenho medo de entrar e nunca mais sair. Viro à esquerda e pego uma avenida onde descubro rapidamente que os japoneses não utilizam a mão inglesa somente para dirigir: tento me acostumar a andar pelo lado esquerdo da calçada. No meio do quarteirão, topo com uma escada que me leva ao pátio de um templo xintoísta, onde uma família tira fotos com um bebê, talvez recém-batizado, que é levado no colo por uma mulher usando um vestido tradicional. Não é a única. Sinto como se fosse um penetra na festa dos outros.

Pelas ruas, percebo que meu nível de compreensão do que me cerca é o de uma criança de três, vá lá, quatro anos. Não entendo sequer o que vendem as lojas. Entro num flipperama daqueles onde se apostam bolinhas de metal. O esporro das luzes e o som das máquinas me atingem como um soco. Preciso comer.

Tento escolher algum restaurante que seja fácil. Depois de idas e vindas por alguns becos apertados que surgem entre os prédios, cheios de lojas e acessos escondidos, escolho um restaurante que tem cópias dos pratos feitas com plástico na vitrine. Tento empurrar a porta, mas ela se abre automaticamente – isso acontece o tempo todo. Quando piso dentro do lugar, uma gritaria. São os garçons e cozinheiros saudando o cliente. Uma senhora me pergunta algo em japonês e eu respondo com o dedo indicador – sou só eu. Sento na bancada em frente ao sushiman, ao lado de homens vestindo terno. Sou o único gaijin nesse planeta. Usando apenas duas palavras recém-aprendidas, consigo fazer meu pedido e agradecer por ele. Aponto para a foto no cardápio e digo: “kudasai”. O sushiman sorri, responde em japonês, eu sorrio e digo: “domo”, a garçonete sorri e me traz um chá verde e uma sopa viscosa com cabeças de camarão: “domo arigato”. Tomo o chá e a sopa. Meu prato vem com um monte de sushis que nunca comi antes. De comer chorando – às vezes literalmente: alguns são feitos com muita raiz forte.

Volto para o hotel onde me hospedo num cubículo de uns seis metros quadrados, de onde ouço o grunhido grave dos trens fazendo a curva. Quando criança, tinha um time de botão que chamava de "Privada Elétrica Botão Clube". Depois de muitos anos, finalmente me encontrei com ela: a privada elétrica. Cheia de botões misteriosos e intrincadas instruções em japonês. Ainda não me arrisquei a apertar nenhum deles, apenas a descarga.

Durmo o dia inteiro e acordo lá pelas onze da noite. Pego o metrô para Roppongi depois de brigar com a assustadora máquina que vende os bilhetes: apertei “english” e ela me deu várias opções em japonês. Dentro da estação, vejo, pela primeira vez no dia, outro ocidental: um mendigo de olhar perdido, meio torto, cara de norte-americano maluco. É preciso dizer que todo mundo, ou quase, se veste impecavelmente. Fico feliz por ter comprado sapatos antes de viajar. Não quero que me confundam com o mendigo.

No vagão, o silêncio é terapêutico, muita gente dorme embalada pelo trem, tão quieto que parece que não se move. Ninguém fala no celular ou com os outros. Até que entre um barulhento grupo de ingleses, que ficam solando no vagão e saltam na mesma estação que eu. A estação de Roppongi tem dezenas de saídas e resolvo seguir um grupo animado. Saio no cruzamento principal.

A primeira visão da Tóquio blade runner futurista é essa: um gigantesco telão, luzes e som por todos os lados. Cada prédio tem várias boates, clubes fechados, karaokês e puteiros dentro, indicados por luminosos na fachada. E o que mais se parece com Copacabana: moças oferecendo "massage" e negros africanos te convidando para clubes
obscuros a cada dois minutos. Disse não muitas vezes e entrei numa loja "Duty Free 24 hrs".

Um prédio de sete andares só com eletrônicos e quinquilharias empilhadas sabe-se lá com que critério. A parte de roupas eróticas (trilhões de roupinhas de colegial) fica ao lado dos brinquedos. Faz certo sentido. Depois de jantar num outro japonês ali perto ("outro" não faz sentido: todos são japoneses), entro num buraco chamado Gas
Panic. Parece o empório, em Ipanema, ou é tão escuro e apertado quanto. A 400 yens o drink, promoção de quinta-feira, vejo uma mistura de estudantes europeus (20%), norte-americanos (10%) e japoneses (70%) embriagando-se ao som de hip-hop.

Os japoneses, ao contrário do que se pode pensar, sabem dançar. E dançam melhor do que os negros americanos que lá estão, fortemente assediados pelas japonesas. Em algum momento, começa uma música louca em japonês, que os locais cantam em coro, fazendo uma coreografia maluca e sem nenhum sentido. Algumas mulheres sobem no balcão. A empolgação é geral. Uma delas parece que vai chutar uma garrafa.

Antes de ir embora para tentar dormir, tiro a garrafa dali. O barman me agradece: "domo arigatô!" Na rua, o sol castiga as calçadas, gralhas tentam achar algum lixo para comer. O metrô já abriu. Volto para o meu cubículo junto com um exercito de homens engravatados indo trabalhar.