amores expresos, blog DO CUENCA

Friday, April 27, 2007

Primeiras impressões

20.04.2007

A primeira coisa que vi do Japão foi o seu litoral, castigado naquela manhã por furiosas ondas do pacífico, em praias largas de areia escura. A ilha é pequena e o avião já desce há algum tempo quando vemos o solo. Depois, a chegada é rápida.

Um homem de máscara e luvas brancas revista minhas malas e me mostra um caderno ilustrado com fotos de cocaína, maconha, remédios com tarja preta e revistas de mulher pelada, perguntando se tenho alguma daquelas coisas. Como não tenho, sigo para o hall silencioso do aeroporto, onde troco dinheiro e compro a passagem do ônibus que me levará até a cidade. A estrada até certo ponto parece com todos os acessos de aeroporto do mundo. Mas, em meia-hora, entre cadeias de viadutos sinuosos a cidade mostra seus arranha-céus e você se dá conta que está entrando em outro planeta.

Pego um táxi, cuja porta abre-se automaticamente, entro e mostro um mapa. O homem fala em japonês como se eu pudesse entendê-lo. Meio contrariado, me deixa na porta do hotel: a corrida não deu nem cinco minutos. Há trinta e seis horas acordado, vinte e quatro delas dentro de aviões (onde não prego o olho), tudo o que quero é deitar na cama, mas o constrangido concierge me diz num inglês curto que só vou poder fazer isso em algumas horas. Saio tonto e desorientado pelas ruas vazias com a sensação de que estou andando de cabeça para baixo.

A uma quadra do hotel existe uma estação gigantesca de trem, uma baleia de concreto encalhada entre os prédios. Acho que não estou pronto para ela. Na verdade, tenho medo de entrar e nunca mais sair. Viro à esquerda e pego uma avenida onde descubro rapidamente que os japoneses não utilizam a mão inglesa somente para dirigir: tento me acostumar a andar pelo lado esquerdo da calçada. No meio do quarteirão, topo com uma escada que me leva ao pátio de um templo xintoísta, onde uma família tira fotos com um bebê, talvez recém-batizado, que é levado no colo por uma mulher usando um vestido tradicional. Não é a única. Sinto como se fosse um penetra na festa dos outros.

Pelas ruas, percebo que meu nível de compreensão do que me cerca é o de uma criança de três, vá lá, quatro anos. Não entendo sequer o que vendem as lojas. Entro num flipperama daqueles onde se apostam bolinhas de metal. O esporro das luzes e o som das máquinas me atingem como um soco. Preciso comer.

Tento escolher algum restaurante que seja fácil. Depois de idas e vindas por alguns becos apertados que surgem entre os prédios, cheios de lojas e acessos escondidos, escolho um restaurante que tem cópias dos pratos feitas com plástico na vitrine. Tento empurrar a porta, mas ela se abre automaticamente – isso acontece o tempo todo. Quando piso dentro do lugar, uma gritaria. São os garçons e cozinheiros saudando o cliente. Uma senhora me pergunta algo em japonês e eu respondo com o dedo indicador – sou só eu. Sento na bancada em frente ao sushiman, ao lado de homens vestindo terno. Sou o único gaijin nesse planeta. Usando apenas duas palavras recém-aprendidas, consigo fazer meu pedido e agradecer por ele. Aponto para a foto no cardápio e digo: “kudasai”. O sushiman sorri, responde em japonês, eu sorrio e digo: “domo”, a garçonete sorri e me traz um chá verde e uma sopa viscosa com cabeças de camarão: “domo arigato”. Tomo o chá e a sopa. Meu prato vem com um monte de sushis que nunca comi antes. De comer chorando – às vezes literalmente: alguns são feitos com muita raiz forte.

Volto para o hotel onde me hospedo num cubículo de uns seis metros quadrados, de onde ouço o grunhido grave dos trens fazendo a curva. Quando criança, tinha um time de botão que chamava de "Privada Elétrica Botão Clube". Depois de muitos anos, finalmente me encontrei com ela: a privada elétrica. Cheia de botões misteriosos e intrincadas instruções em japonês. Ainda não me arrisquei a apertar nenhum deles, apenas a descarga.

Durmo o dia inteiro e acordo lá pelas onze da noite. Pego o metrô para Roppongi depois de brigar com a assustadora máquina que vende os bilhetes: apertei “english” e ela me deu várias opções em japonês. Dentro da estação, vejo, pela primeira vez no dia, outro ocidental: um mendigo de olhar perdido, meio torto, cara de norte-americano maluco. É preciso dizer que todo mundo, ou quase, se veste impecavelmente. Fico feliz por ter comprado sapatos antes de viajar. Não quero que me confundam com o mendigo.

No vagão, o silêncio é terapêutico, muita gente dorme embalada pelo trem, tão quieto que parece que não se move. Ninguém fala no celular ou com os outros. Até que entre um barulhento grupo de ingleses, que ficam solando no vagão e saltam na mesma estação que eu. A estação de Roppongi tem dezenas de saídas e resolvo seguir um grupo animado. Saio no cruzamento principal.

A primeira visão da Tóquio blade runner futurista é essa: um gigantesco telão, luzes e som por todos os lados. Cada prédio tem várias boates, clubes fechados, karaokês e puteiros dentro, indicados por luminosos na fachada. E o que mais se parece com Copacabana: moças oferecendo "massage" e negros africanos te convidando para clubes
obscuros a cada dois minutos. Disse não muitas vezes e entrei numa loja "Duty Free 24 hrs".

Um prédio de sete andares só com eletrônicos e quinquilharias empilhadas sabe-se lá com que critério. A parte de roupas eróticas (trilhões de roupinhas de colegial) fica ao lado dos brinquedos. Faz certo sentido. Depois de jantar num outro japonês ali perto ("outro" não faz sentido: todos são japoneses), entro num buraco chamado Gas
Panic. Parece o empório, em Ipanema, ou é tão escuro e apertado quanto. A 400 yens o drink, promoção de quinta-feira, vejo uma mistura de estudantes europeus (20%), norte-americanos (10%) e japoneses (70%) embriagando-se ao som de hip-hop.

Os japoneses, ao contrário do que se pode pensar, sabem dançar. E dançam melhor do que os negros americanos que lá estão, fortemente assediados pelas japonesas. Em algum momento, começa uma música louca em japonês, que os locais cantam em coro, fazendo uma coreografia maluca e sem nenhum sentido. Algumas mulheres sobem no balcão. A empolgação é geral. Uma delas parece que vai chutar uma garrafa.

Antes de ir embora para tentar dormir, tiro a garrafa dali. O barman me agradece: "domo arigatô!" Na rua, o sol castiga as calçadas, gralhas tentam achar algum lixo para comer. O metrô já abriu. Volto para o meu cubículo junto com um exercito de homens engravatados indo trabalhar.