amores expresos, blog DO CUENCA

Saturday, April 28, 2007

Tudo é improvável, Über-Clichê, Roppongi Hills, Akihabara

21.04.2007

Nesse momento, tenho muita dificuldade em identificar o que fiz ontem ou hoje, se já é hoje ou amanhã. Quando no Brasil ainda é sexta à noite, aqui já estou de ressaca no sábado de manhã.

Ontem acordei às onze da noite e resolvi conhecer Shibuya. O caos começa na estação, com umas cinqüenta saídas diferentes e quilômetros de galerias embaixo da terra. Escolho uma ao acaso e saio no cruzamento dito como o mais movimentado do mundo. Andar por ali é como uma viagem instantânea de ácido. Megatelões instalados em prédios, vozes suaves e hipnóticas difusas por auto-falantes ocultos, um caleidoscópio de letreiros iluminados e gente de todo o tipo, para onde que você olhe. É mais informação visual do que sou capaz de lidar.

Percebo isso em todos os lugares: a quantidade de imagens e sons que um japonês médio processa por dia é avassaladora. Em toda a parte há um anúncio, uma voz, uma figura, um mangá, um logotipo, um ideograma, um joguinho. Cada lojinha na calçada cospe sua própria música. As escadas rolantes falam, os elevadores falam, os vagões de metrô falam, as vitrines falam - mas as pessoas não parecem falar ente si. Ando por aqui me sentindo como uma criança ninada pelas canções entoadas por um monstro de concreto e metal.

Caminho Shibuya de cima a baixo, entro em flipperamas, livrarias enormes, casas de pachinko, pornografia e mangá. Um flipperama ordinário aqui é um prédio de oito andares, e em cada andar há centenas de máquinas. Não sou capaz de começar a jogar oitenta por cento delas simplesmente por não saber do que se tratam. Caça-níqueis, jogos de estratégia, simuladores de vôo e até um complexo simulador de corrida de cavalo, com direito a miniaturas reais correndo sobre um tapete verde. Os telões são enormes e cada máquina faz um barulho infernal.

Há uma seção de jogos para meninas, ou pelo menos é o que parece, e japonesas calçando botas pontudas ficam brincando por trás de cortinas rosas ilustradas por desenhos histéricos.

É madrugada e resolvo jogar um simulador louco de Transformer, mas descubro que tenho que me cadastrar e ter um cartão, que carregará meus dados. Faço isso com a ajuda de um atendente especialista em mímica e jogo. Sento dentro de uma redoma, onde a imagem do jogo é projetada em quase 360 graus. Depois de três minutos, meu estômago não agüenta. Tento fazer com que o meu robô cometa harakiri.

Acabo comendo num sushi-bar bastante sujo, daqueles com esteira móvel e torneira na bancada para se servir de chá. Todos só falam japonês, e eu saco do bolso minhas frases decoradas. Sou tratado com a condescendência que se tem por crianças ou cachorros perdidos.

Como sempre estou meio sonado e com fome, porque não sei mais o horário de dormir ou comer, tudo fica mais surreal e desorientador. Quando falo em desorientação, digo que fico fisicamente tonto. Nunca imaginei que o jet leg de uma viagem dessas fosse tão selvagem e demorasse tantos dias.

Não é fácil descobrir o que fazer. Tudo fica escondido dentro de milhares de prédios, cada um deles com aglomerados de boates, casas de chá, cafés egípcios, karaokês, centros de massagem, clubes de Para-Para e o que mais existir sobre esse planeta. Você pega um elevador numa portaria vazia e ganha sete andares. No hall silencioso como o de um hospital, um sujeito com cara de lutador de sumô vai acenar com um chapéu cuco e abrir uma porta de metal. Dentro do andar aberto, a multidão dança iluminada por candelabros de néon. E você sabe que o mesmo acontece andares abaixo ou acima. Mas tudo é escondido.

Escondido e empilhado. Aqui em Tóquio sempre se está pisando sobre a cabeça de alguém.

Na época do filme da Sofia Coppola, alguns disseram que “Lost in Translation” transmitia uma imagem estereotipada de Tóquio e dos japoneses. Mas a verdade é que, se formos pensar nas primeiras impressões de qualquer viajante, o filme pega bastante leve.

O que percebo aqui é uma espécie de Über-Clichê.

As imagens óbvias que temos quando pensamos em Tóquio não apenas são confirmadas, mas elevadas à enésima potência e banhadas em ácido: Lolitas vestidas de colegial, meninas de Harajuku e seus sapatinhos de Dorothy, engravatados vestindo máscaras hospitalares (depois, descobri que é por alergia à pólen), gente andando fantasiada pela rua, cyber punks, velhos muito velhos, nerds fissurados de olhos pregados no vídeo game portátil, senhoras de quimono, trabalhadores lendo revista pornô no metrô, tudo isso passou na frente dos meus olhos em não mais do que dois dias.

Como disse antes, é como se estivesse sob o efeito de uma droga muito forte. Ando com as mandíbulas trincadas, como se tivesse me entupido de anfetamina.

Consulto um mapa às duas da manhã e resolvo que tentarei voltar andando de Shibuya até o hotel, que fica pra lá de Ginza, mas só consigo ir até Roppongi, numa caminhada impressionante sob interseções de viadutos gigantescos, uns sobre os outros. São três da manhã e ando sob pontes e túneis. Num pontilhão sobre um viaduto, de onde tenho vista panorâmica de um engarrafamento, sento no chão e escrevo algo que não entrará neste diário.

Não há perigo de violência alguma aqui, e é bastante improvável que eu seja assaltado, mesmo que ande em lugares bastante sinistros de madrugada.

Apesar disso, nunca tive tanto medo na minha vida.

Chego à Roppongi Hills, um bairro novo que parece um shoping center. Mesmo de madrugada, você não está sozinho: a escada rolante fala com você, os elevadores falam, as vitrines falam. Sempre naquele tom monocórdio. Entro no hall de um cinema, mas os filmes que estão passando no meio da madruga são Rocky (vi no avião) e o novo do Hannibal Lecter. Desisto, ando mais um pouco pelas ruas de mármore sob o olhar de câmeras de vídeos e policiais solitários. Penso em tomar um drink na cobertura de um hotel, mas desisto por exaustão e pego um táxi.

Mostro o cartão do hotel que tem um mapa ao taxista. Com um controle remoto, ele insere o endereço num sistema de GPS. O mapa animado nos guia por avenidas largas e desertas até o hotel.

Chego às cinco da manhã e tento dormir. Tenho um pesadelo (um japones entrando no minúsculo quarto) e acordo berrando meia-hora depois de cochilar. Agora estou morrendo de fome (para o meu corpo está na hora da janta, mas aqui são seis e meia da manhã) e não consigo dormir. Desisto e resolvo esperar dar sete da manhã pra tomar o café da manhã (que, para o meu corpo, será meu jantar). O café da manhã japonês tem omelete, macarrão, arroz e uma série de vegetais e substancias pegajosas que não saberia identificar. Encaro tudo, menos o ovo cru sobre o arroz. Depois tomo um café “ocidental”, que no hotel consiste em pão, manteiga e, claro, café aguado. Sou o único gaijin no restaurante.

Tento dormir depois de comer, mas não prego o olho. Não durmo desde ontem às sete da noite.

Saio e resolvo encarar o dia. Meus olhos ardem. Estou cansado, mas não tenho sono. Longa caminhada até a Tokyo Station e o impressionante Jardim Imperial. Ao lado do prédio da Dieta Nacional (a assembléia legislativa do Japão) há um jardim, onde sento numa escada e fico olhando o vôo das flores de cerejeira, que abandonam suas árvores com o vento. Abaixo há uma avenida movimentada, mas não ouço nenhum barulho que não seja o dos pássaros e das folhas.

Pego um metrô para Akihabara, meca dos eletrônicos e do anime, onde me perco feio. Depois de achar o cruzamento central, me perco novamente, mas dentro das lojas lotadas. Um andar só de câmeras fotográficas, outro de vídeo-games, outro de computadores etc. Um pouco para dentro, há uma espécie de mercadão de sucata eletrônica. Laptops e Powermacs sendo vendidos na calçada por ninharias. Pego um beco que me lembra muito o mercado do Saara, no agora distante Rio de Janeiro, e vou parar nos fundos de uma loja onde adolescentes japoneses manuseiam livros e dvd’s de hentai – sexo com bonequinhos de desenho animado. As capas são inacreditáveis, a destacar a fantasia deles sobre moças sendo penetradas por polvos.

Estou há cerca de vinte e quatro horas acordado e com as pernas bambas. Volto para o cubículo. Demoro um pouco para dormir. Fecho os olhos e ouço vozes e música alta. Sonharei sonhos incompreensíveis com japoneses falando japonês.

Dizem que Tóquio é uma cidade turística. Imagino que sejam turistas japoneses: praticamente não vejo ocidentais. No meu hotel não vi nenhum hospede ocidental. Nos pontos turísticos, como o Jardim Imperial, pouquíssimos.

Tudo aqui é improvável. Eu, inclusive.