amores expresos, blog DO CUENCA

Saturday, May 5, 2007

Galcia Belnal no subsolo

Ontem passei o dia inteiro trancado no quarto, alimentando esse blog, escrevendo a coluna para o Globo e trabalhando a minha história. Saí de casa só à noite e encontrei minha amiga Keiko em Shibuya, onde comemos com um pessoal num restaurante chinês meio pé sujo debaixo da linha do trem. Ótima comida, que tremia na mesa todas as vezes que um JR passava sobre as nossas cabeças.

Como estou temporariamente hospedado em Shinjuku, aproveito para explorar a área. Tirando as bizarrices de Kabukicho, há algumas opções. Keiko me indica um bar de rock: “depois das entradas iluminadas de Kabukicho, você segue mais uns trezentos metros e, à esquerda, vai ver a entrada de um templo. É ali. Mas toma cuidado porque é meio punk demais, com motoqueiros e esse tipo de caras perigosos que podem querer arrumar briga com você.”

Não acredito que nenhum bar no Japão possa ser perigoso.

Ou não acreditava até então.

Foi fácil chegar à rua, uma passagem escura com portais de madeira, lâmpadas vermelhas e dragões de pedra que leva ao templo de Hanazono. Numa entrada a direita, vi o luminoso do lugar. Silêncio total. Abri a porta com a certeza de que estaria vazio. Desci dois lances de escada e abri a segunda ou terceira porta: estava entupido de gente.

Não exatamente motoqueiros ou punks.

Comandando o som, um grupo de meninas com penas de índio sioux na cabeça agitava uns pirulitos fluorescentes em formato de coração. A platéia era uma mistura de todo o tipo de figura, sendo que eu devia representar a minoria heterossexual masculina de um por cento. Rodeado por uma Madonna de saia rodada e meia arrastão (fase anos 80) e por sujeitos de chapéu e casaco de lantejoulas, um cabeludo vestido de couro, lenço de cowboy no rosto, dançava agitando correntes como uma espécie de Fred Astaire do mundo bizarro, ao som de clássicos do cancioneiro ocidental contemporâneo como “My humps”, “Promiscuous girl” ou besteiras do gênero. O clima era de festinha entre amigos, com bolo e champanhe sendo servidos.

Fui até o bar pedir alguma bebida.

Há alguma coisa no ar do Japão que me impede de ficar bêbado.

Não consigo parar de mastigar e investigar a história que pretendo contar, o que às vezes não é lá muito confortável, como se meus olhos e ouvidos fossem aspiradores de pó. Estou pela metade em qualquer lugar que estiver, eu e meu plúmbeo piano, e me sinto bastante ridículo e solitário nesses momentos, especialmente se estou a trinta metros abaixo da terra numa festa privê onde sou o único penetra ocidental.

Estava eu com os cotovelos cravados no bar e perdido nessa sorte de grandiloquentes pensamentos quando um grupo de japonesas magrelas usando saias microscópicas me cutucou:

- Gael Galcia Belnal! Handsome, you!

Não entendi direito. Gael Garcia? Imediatamente me lembrei do Mário Braune, amigo meu, esse sim um galã parecido com o galã. Fiz uma piada dizendo que queria experimentar as drogas alucinógenas que elas estavam tomando, mas as japonesas pareceram não entender e desapareceram como passarinhos.

É quando percebo que todos estão muito bêbados, num nível difícil de descrever ou fazer imaginar. Garrafas de tequila sendo esvaziadas, champanhe estourado e todo mundo com um drinque colorido na mão.

Um japonês de camiseta regata e cabelo espetado me oferece bebida. Digo que já tenho, e ele pergunta como eu fiquei sabendo do lugar e da festa. Pergunta também de onde sou, se sou espanhol ou italiano. Quando digo que sou brasileiro, faz cara de abismo. Mas, como todos, é muito simpático e diz que sou sortudo de estar aqui, que é a estréia de uma data na casa, que todos são amigos etc.

Nesse ínterim, coisas estranhas acontecem. Um casal de negros carecas Lafont style entra vestido de Twiggy, e um deles usa um sapato bicolor de salto alto, coisa que nunca tinha visto antes – nem o Lafont Twiggy, nem o sapato. O dj, que depois descubro se tratar de um ex-transformista gordinho de nome LOLITA, começa a dublar uma balada do ABBA, que todo mundo canta junto. Uma japonesa insana tira a blusa e sai rodopiando pelo salão com os pequenos peitos de fora. Ninguém parece se importar muito.

Meu amigo recém-conquistado contamina-se pelo clima de euforia e resolve avançar o sinal. Dá um beijo estalado na minha orelha e diz:

- You are so cute! So cute!

É, amigos da Rede Globo... De galã mexicano à gracinha gay foi um pulo.

Dou um passo para traz e metralho algo como “wow, take it easy I’m straight, man!”, o cara entende e a noite segue no seu ritmo insano com outras cenas difíceis de descrever.

Em pouco tempo, me canso e saio dali.

Reparem no vídeo como a rua é silenciosa, em contraste com a zoeira do lugar:



Caminho de volta por ruas tão iluminadas quanto sujas (a parte leste de Shinjuku é imunda comparada com o resto) quando ouço uma música do Radiohead (!). Vem de uma escada estreita, junto com uma luz vermelha, como se aquele subsolo fosse um dos portões do inferno. Entro no minúsculo e vazio bar, onde devem caber umas cinco pessoas, e peço uma cerveja Asahi. A menina me traz a cerveja e um cardápio.

O esquema é o seguinte: você escolhe o disco que quer ouvir. O catálogo é grande. Peço Kula Shaker, psicodélico como a noite e a cidade, e ela pega seis discos no balcão. Escolho o “Peasants, Pigs and Astronauts”. Ouço três músicas, mas estou exausto e saio sem pedir a segunda cerveja. Mas quero voltar lá - o problema vai ser achar de novo aquela portinhola.

***

Se alguém estiver em Tóquio e quiser ir no bar que descrevi como “o melhor bar do mundo”, todas as informações, incluindo mapa, estão aqui. Para uma galeria de fotos, clique aqui. O nome do bar é Hartford Café.