amores expresos, blog DO CUENCA

Tuesday, May 1, 2007

A lata

Essa semana estava andando em Shinjuku procurando por um restaurante. Como não encontrava o lugar de jeito nenhum, resolvi entrar num cybercafé para fazer uma busca e talvez imprimir um mapa – tudo funciona na base do mapa porque, como vocês devem saber, aqui as ruas não têm nome.

(Nunca existe um endereço como Rua tal, número x. É sempre algo como “2-7-2 Nishi-Shinjuku”. Os nomes são o do distrito e do bairro, e os números da frente representam respectivamente: a subregião do bairro (chome), o quarteirão dentro do chome e, finalmente, o número do prédio. Mas os números das casas não são dados por ordem geográfica, e sim por ordem de antiguidade (!). De qualquer forma, ter o endereço de algum lugar é praticamente inútil e nenhum taxista ou transeunte irá saber onde você quer ir, ao menos que você tenha o mapa, referências e algum senso de orientação.)

Como todos os japoneses entram na internet o tempo inteiro através de seus pequenos celulares, cybercafés não são populares aqui como em Copacabana.

Ou pelo menos, não como conhecemos.

Seguindo um anúncio – internet em letras maiúsculas – subi um elevador. No final de um corredor longo, uma porta automática abre-se para uma espécie de locadora de DVD’s. No balcão, o atendente me saúda. Eu digo:

- Internet?

Ele me mostra uma máquina onde eu escolho o tempo que quero usar. O tempo mínimo é três horas. Posso comprar cartões de seis, oito e doze horas. Há um outro de vinte e quatro horas. Quem fica um dia inteiro na internet?

Compro o cartão mais barato (três horas) e o homem me pergunta:

- Cama ou sofá?

A coisa vai ficando estranha. Cama? Peço sofá. O homem com esforço se faz entender e me diz que tenho que escolher até seis fitas. É quando reparo que são todas pornográficas. Meio constrangido, pego duas com colegiais fazendo caretas de dor na capa e levo ao balcão. Tudo o que quero é dar um google, mas às vezes as coisas aqui tomam rumos misteriosos. O homem bota as fitas numa cesta de plástico e adiciona: um fone de ouvido sem fio, uma camisinha, um lubrificante, uma lata lacrada, uma chave com um número.

Agora estou num corredor com várias portas, e abro a 307. É o meu número. Na pequena saleta escura, há um grande monitor de tela plana ligado a um computador e a um aparelho de DVD. Sento no sofá e brigo contra o controle remoto da aparelhagem para ligar o computador. Consigo depois de alguns minutos, faço o meu google, vejo emails etc. Aproveito a viagem, claro, para descobrir que aqui no Japão todos os filmes pornô têm um efeito de mosaico nas partes pudendas – depois descubro que é contra a lei mostrar explicitamente esses pedaços do corpo, tanto em vídeo quanto em foto.

Descarto as fitas rapidamente.

Mas a lata lacrada, esse objeto misterioso, fica me encarando sobre a cestinha junto com as fitas.

Se desde o início era fácil entender o propósito da camisinha e do lubrificante, a lata sempre foi puro enigma.

Resolvo encarar o temor e abrir a lata.

É quando tudo se encaixa – ou quase.

A lata guarda, dentro de si, uma espécie de espuma gelatinosa rosada com uma fenda apertada no meio. Era tão óbvio que me senti idiota por não ter sacado antes.

Não estou deprimido o suficiente para encarar a lata e suas entranhas cor-de-rosa e deixo tudo de lado com certo remorso. Saio dali tendo usado dez minutos das minhas recém-adquiridas três horas.

No dia seguinte, leio no jornal que o governo japonês está preocupado com jovens que, por morar muito longe do trabalho e não ter dinheiro para alugar um apartamento, chegam a passar seis noites por semana em lugares como esse. O pernoite é muito mais barato do que o de um hotel. Há algumas variações: alguns são especializados em mangá, outros em filmes etc. Em alguns ao que parece há chuveiros e vestiários para os usuários. Isso tudo somado à praticidade de tecnologias como a da lata faz com que milhares de jovens japoneses passem a noite dentro dessas cabines claustrofóbicas.