amores expresos, blog DO CUENCA

Friday, May 4, 2007

Fotos, Daikanyama, piano de chumbo

Se demorei cerca de dez dias para entrar no horário, demorei também para conseguir fotografar alguma coisa aqui. Acredito que tirar uma fotografia envolve duas decisões simultâneas: escolher o que incluir na foto e o que deixar de fora. Pode parecer uma besteira, mas acho que esse meu bloqueio está muito relacionado à segunda escolha. Agora que estou aprendendo a enxergar melhor a cidade, consegui tirar algumas:








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Subi numa torre panorâmica onde comi o pior sanduíche da minha vida tendo Tóquio e seus milhões de seres humanos por baixo dos sapatos. Depois o trem me levou para Ebisu. Na estação, um caminho de plataformas elevadas carrega os pedestres a uma espécie de shopping aberto esquisito. Dei meia volta por fora da estação, que é sempre caminho mais complicado, e caminhei até Daikanyama, um bairro bastante europeizado de casas baixas, ladeiras e ruelas estreitas, cheio de galerias de arte, livrarias, restaurantes e lojas de roupa. Japoneses elevam o conceito do que é “cool” ou “sofisticado” a um grau de refinamento quase insuportável.

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Como já estou mais ou menos enxergando os personagens da minha ficção, caminhar pela cidade se transforma numa experiência diferente do que era há alguns dias e, quando mal percebo, já estou no cenário vendo os personagens e situações se materializarem de diferentes maneiras - o que pode ser bastante ridículo.

Não se pode escrever a cena dentro da cena (regra auto-imposta), então deixo tudo se condensar dentro de uma nuvem escura. Em algum momento cujo controle me foge, as idéias vão se alinhar e ganhar o papel quase sozinhas e bla-bla-blá.

Como passo a maioria dos longos dias sem falar com ninguém, como um monge em voto de silêncio, os pensamentos correm soltos e pesados. Sinto como se carregasse um piano de chumbo entre as orelhas. E às vezes não sou eu quem toca a música.