amores expresos, blog DO CUENCA

Wednesday, May 9, 2007

Coluna do Globo de ontem

Minha incompreensão aqui não se limita somente à língua japonesa, que faz de mim um analfabeto incapaz de ler os outdoors, revistas e cardápios com os quais travo contato. Há uma série de códigos de comportamento e vestuário que, para um ocidental nascido no Brasil, são muito difíceis de entender.

Uma das coisas que mais me chamou a atenção, de início, foi o comportamento das crianças. Por que (e como) são tão educadas? Aqui no Japão, todas me parecem inteligentes e silenciosas como um elevador Mitsubishi. No metrô, é comum ver meninos e meninas de seis anos, ou até menores, absolutamente sós, indo ou voltando da escola. Cena inimaginável em qualquer outro lugar do mundo.

Numa estação, vi uma moça com dois filhos bem pequenos, que mal começavam a andar. Um dos bebês, brincando com um boneco, afastou-se e engatinhou em direção à linha do trem. Levei um susto e quase alertei a mãe, mas rapidamente percebi que não havia motivo. Ela parecia ter confiança no filho: o bebê sabia que o fosso era perigoso. Quando a voz (aqui sempre há “a voz”) anunciou que o trem ia chegar, o menino engatinhou de volta.

No Brasil, a mãe talvez gritasse e puxasse a criança, que iria chorar e fazer escândalo. Na França, muito provavelmente o menino levaria um sopapo na cara.

Outra vez, numa enorme passagem sob um complexo de arranha-céus em Shinbashi, vi um grupo de crianças de creche brincando. Duas professoras tomavam conta do grupo, que devia ter cerca de vinte pequenos japoneses. Não ouvi nenhum choro, grito ou voz alta. As crianças brincavam organizadamente, se é que isso é possível. O detalhe é que estavam soltas, numa área pública, engatinhando no chão.

As crianças podiam estar ali porque o chão é extremamente limpo. Não se vê um papel ou guimba de cigarro. E, como tudo por aqui parece cercado de paradoxos, tampouco se vêem latas de lixo ou lixeiros. Como se Tóquio fosse autolimpante.

Como se sabe, aqui é proibido fumar na rua (multa de duzentos dólares). Os fumantes se reúnem em alguns pontos autorizados, com cinzeiros e exaustores. Se você estiver andando com um japonês fumante, invariavelmente ele vai parar num desses lugares para fumar. E não vai fumar fora dali de jeito nenhum. Pelo mesmo motivo que os pedestres respeitam o sinal de madrugada, quando não há nenhum carro na rua. Quando pergunto o porquê, sempre dizem, rindo e encolhendo os ombros: é o jeito japonês.

***

O jeito japonês é discreto, mas tem lá suas extravagâncias. Entro numa boate qualquer em Shibuya e me deparo com mulheres vestindo collant, roupinhas de bebê ou super-heroína de desenho animado. Homens de vestido longo ou saia rodada. Metaleiros com roupa fluorescente e góticos em geral. Sujeitos de capa e dente de vampiro, erguendo todo o tipo de chapéu, corrente e adereço bizarro. Três meninas totalmente pintadas com bolinhas pelo corpo. Caras de pijama de oncinha. Garotas com faixas negras e amarelas pintadas no rosto. É impossível entender os códigos e fico constrangido por aparentar normalidade dentro das minhas calças jeans e camiseta - o que pra eles talvez signifique que sou um cara bastante estranho.

O curioso é que mesmo entre os jovens mais descolados, os cumprimentos sempre são cheios de cerimônia e ritual. Outro dia vi, no metrô, um grupo de punks de moicano se despedindo daquele jeito tradicional, inclinando o tronco e acenando repetidas vezes numa espécie de gagueira gestual tão comum por aqui. O jeito japonês.