amores expresos, blog DO CUENCA

Wednesday, May 9, 2007

Documentário, Shimokitasawa, Love Doll, Jimbocho, Vale das Fadas, 1986

No final de semana passado, o diretor do documentário sobre o projeto aterrissou em terras nipônicas. Mal chegou, Tadeu Jungle foi por mim carregado a alguns dos becos e subterrâneos menos prestigiosos da cidade. Almoçamos na ruela dos botecos de Yakitori que costumo freqüentar e depois fomos até Shimokitazawa, um distrito bastante popular entre jovens músicos, atores e artistas em geral que vivem por ali em busca de aluguéis baratos etc. (Há um plano da prefeitura de abrir uma grande avenida cortando o lugar em dois, o que tem gerado certa grita no local).

Em Shimokita, depois de saltar de um trem lotadinho, aportamos num clube chamado Shelter, onde estava prestes a começar famosa noite punk. Os shows começam cedo (7 PM) e logo nos misturamos à fauna, punkabillies e freaks em geral. O lugar estava abarrotado de gente (é um porão minúsculo), mas acho que japoneses têm certa facilidade para se apertar e, ao mesmo tempo, não se misturar.

As bandas eram covers eficientes de The Clash e Sex Pistols, formadas por músicos de diversas bandas reunidos especialmente para a ocasião. Nunca vi nada parecido: desde penteados até pedais de efeito e guitarras, todos os detalhes eram impressionantemente similares às bandas originais. Diria que até tocavam melhor. Apesar do lugar ser uma biboca, o som era perfeito. A muvuca, que parecia tranqüila demais, enlouqueceu quando soou o primeiro acorde do primeiro show quando abriu-se ao meu redor uma roda de pogo que fez minha cerveja virar chuvisco. Enquanto eu lidava com a fúria punk, Tadeu, protegido sobre uma escada, fez imagens da banda.

O lugar é muito representativo. Todo mundo fantasiado, projetando e reproduzindo imagens. Fantasia e cópia.

Depois fomos para Shinjuku filmar Kabukicho à noite. No dia seguinte, aventuras em lojas ilegais e obscuras de Love Dolls, onde encontramos a boneca de 9500 dólares, e invasões à flipperamas e lojas de mangá em Akihabara. Fomos expulsos de todos os lugares, mas o Tadeu conseguiu captar imagens sensacionais.

Sobre a entrevista, pouco tenho a dizer. Acho que sou péssimo entrevistado e sou muito melhor fazendo perguntas do que as respondendo.

O Tadeu também registrou o metrô, a tarde chuvosa, os rostos fechados, os olhares oblíquos, as multidões furiosas atravessando a rua. Não filmamos parques, templos ou a floração das cerejeiras. Não foi essa a Tóquio que escolhi como objeto. Minha Tóquio é subterrânea, noturna, urbanóide e dividida em guetos obscuros. Aqui, as escadas sempre descem.

***

Fui à Jimbocho, área que concentra editoras, sebos etc. Sucumbi pela primeira vez ao desejo de comer carne de boi, e me senti meio esquisito usando garfo e faca.

Encontrei meu amigo Musha, e seu amigo Mario (que, além de agente literário, é um excelente ilustrador) num restaurante esquisito onde salary-men e suas secretárias de meia-idade bebem cerveja antes de ir para casa. Depois rumamos à Kabukicho para uma festa de aniversário.

Entranhei o endereço, mas fato é que no meio do caos de néon e putaria do lugar, há um restaurante chamado "Vale das Fadas". Depois de ganhar longa escada (para baixo) adornada por cortinas de cetim, vê-se um salão cheio de luzinhas e tendas de seda, onde toca sem parar uma som lúgubre de caixinha de música e tudo é fofo e “encantado”.

Como registrado em vídeo:



Depois, restaurante japa, onde descobri novas variedades de sakê, peixe e palavras. Pós-jantar, mui orgulhosamente conduzi meus ébrios novos amigos ao Mother’s bar e suas rubras luzes. É o lugar, já referido em entrada anterior deste blog, onde se pode escolher a música num menu e onde acontecem silenciosas batalhas de gosto musical entre seus randômicos freqüentadores. É tão escuro que precisamos usar lanternas para ler o nome das bandas e escolher as músicas.

Como registrado:



Expulsamos os farofeiros que lá estavam ouvindo Metallica e ainda fomos a um outro buraco, lotado de perigosas lésbicas, onde o garçom era uma espécie de transformista marombado. Esperei o primeiro trem num fastfood de miojo, ao lado de hosts e hostesses (em bom português: acompanhantes, homens e mulheres). Os hosts de cabelo pintado e sapatos pontudos parecem a Tina Turner. As hostesses de meiacalça e microssaia parecem o Rod Stewart.

Ambos em 1986.

Naquela hora da manhã, conversei com um novo amigo japonês sobre o porquê das pessoas aqui pagarem a hosts e hostesses para conversar e serem paparicadas em hostess bars. Leiam bem: normalmente pagam mais para conversar do que para fazer sexo. O cara virou um copo de café e resumiu a cidade:

- Fantasia. Tudo aqui é sobre isso: fantasiar e imaginar.