amores expresos, blog DO CUENCA

Tuesday, May 29, 2007

Aventuras em Akihabara

É fim do dia e caminho pelas ruas mal iluminadas de Ueno, depois que o mercado barulhento sob a linha do trem se esvaziou rapidamente (entrei num bar de Yakitori e, quando saí, não havia mais movimento algum). Sigo a direção do viaduto acreditando que vou para um lado, e depois de vinte minutos andando na via escura chego noutro: Akihabara, meca planetária dos nerds (os japoneses chamam de “otaku”) que reúne as maiores lojas de eletrônicos, mangá e anime do Japão.

Numa esquina, sob a macarronada usual de néon, meninas meio gordinhas vestidas de empregada-doméstica-colegial (meias soquete, saias rodadas estufadas por quilos de renda, aventais brancos e arcos na cabeça) distribuem propagandas de “maid cafés” – que não são exatamente o que o leitor desavisado pode estar pensando. Pego um papel e decido peremptoriamente que minha experiência japonesa incluirá uma ida a um deles naquela noite. Mas os prospectos são todos em japonês, assim como os mapas, e as lolitas não sabem uma vírgula de inglês.



Uma delas se compadece do gaijin e indica o caminho, numa mistura de inglês, japonês, esperanto e o gestual dos surdos-mudos. Uma reta, a segunda à direita, seguir em frente. O lugar fica num prédio à esquerda depois de uns “três minutos de caminhada”.

No meio do caminho, para variar, me perco. Quando olho para trás, percebo que a menina está me seguindo como uma assombração. Com extrema paciência, e guardando uma distância regulamentar de cinco metros atrás de mim, me conduz até o segundo andar de um prédio no centro do enclave otaku da cidade. Na porta, me mostra o cartaz, o compara com o papel que me entregara minutos antes, e aponta para o segundo andar. Andamos por um corredor, ela chama o elevador e entra por uma porta à direita.

Entro sozinho no elevador e, quando a máquina abre a porta um andar acima, ela me reencontra ofegante – subiu de escada.

Sou recepcionado por uma gerente que entoa uma longa e incompreensível saudação em japonês. O café, claro e iluminado como qualquer lanchonete, está lotado de adolescentes. Ubíquos monitores de tv transmitem videoclipes do principal produto de exportação da América para o mundo: hip-hop vagabundo.



Tirando as garçonetes infantilizadas, há outras figuras estranhas como um sujeito vestido de super-herói e outro de botas pretas e rabo de cavalo na altura da cintura. Mas, no geral, são nerds no sentido mais vulgar da palavra. Quando servem a bebida, as garçonetes vestidas em suas modas surrealistas agacham-se ao lado da mesa. Mexem com o canudo no copo e o apontam para a boca dos clientes, que são tratados literalmente como “mestres”. Todas, sem exceção, falam e se movimentam como criancinhas. E a emoção termina aí: ser servido e paparicado por lolitas de história em quadrinhos num café palheta.

A menina que me guiou até o lugar, agora já no seu papel de garçonete, me pergunta o que quero beber. Peço um expresso. Quando me serve, pega o apoio do copo e diz:

“I am going to write my name”

E escreve “Miichi” com uma letra infantil. Eu agradeço e invento um nome para mim (em Tóquio, estou sempre inventando nomes). Depois pergunta, muito vagarosamente:

“Do you like cats?”

Não gosto, mas para cortar papo digo que sim. Miichi desenha um gato no apoio do copo e diz:

“It is a cat. Cute cat. It is for you.”

Minha nova amiga fala e age como se fosse uma criança de cinco anos com paralisia cerebral. Sinceramente comovido, agradeço. Meus colegas de “maid café” parecem achar tudo isso fantástico e excitante. O que eu acho? Não tenho a menor idéia.

(O Globo - 29.05.2007)